O Cardeal
Cottier um ano depois da renúncia de Ratzinger: “naquele gestão, um exemplo.
Demonstrou a sua humildade”.
11 de fevereiro, um
ano depois. O cardeal Georges Cottier repensa aquele dia histórico e afirma: “Depois
da surpresa do primeiro momento, depois da emoção que todos provamos, hoje
sabemos que da renúncia de Bento XVI adveio um grande bem para a Igreja. E devemos
ser agradecidos ao Papa emérito pelo seu ato de honestidade intelectual”. O teólogo
emérito da Casa Pontifícia nos recebe no seu apartamento a dois passos de Santa
Marta, a casa de Francisco. O antigo mosteiro Mater Ecclesiae, onde reside Joseph Ratzinger, está apenas há alguns
metros de lá. É natural, portanto, que durante a entrevista, a referência a um
reclame também o outro. «Duas grandes personalidades – sublinha Cottier – de
carácteres diferentes, mas em perfeita continuidade. Esta é a beleza da Igreja».
Eminência, os 12 meses transcorridos sugerem
prospectivas diferentes em olhar a renúncia de Bento XVI?
Estou sempre mais convencido que seja tratado
como um ato providencial. Tudo na Igreja é. Mas Bento XVI, com a sua decisão profundamente
meditada e amadurecida na oração, deu-nos um grande exemplo. Quando se deu
conta de que não tinha mais as forças para governar a Igreja, se colocou à
parte, permitindo a abertura de uma nova fase. Por outro lado, tudo aconteceu
com grande serenidade e simplicidade. Um mês depois, no dia 13 de março, tínhamos
o novo Papa. E o sucessor que Deus nos deu foi um grande presente.
Bento XVI, portanto, não arrisca que um
novo Dante o carimbe como o Papa da “grande renúncia”?
Digo que não. Mesmo porque a sua renúncia não foi
um abandonar o próprio posto. Com muita lucidez, ele mediu as próprias forças e
o trabalho a fazer. E decidiu que não se pode forçar a Providência. Certo, a
sua atitude surpreendeu porque é o primeiro caso dos tempos modernos. Mas Bento
XVI fez as contas também com o prolongamento da vida e o avanço da velhice. Portanto,
não se pode excluir que no futuro outros papas façam o mesmo.
A renúncia
poderia se tornar práxis?
Não digo isso. Mesmo porque se trata de uma
escolha muito pessoal, mas vendo a atual tendência dos registros, um caso
similar poderia repetir-se. No entanto nos encontramos diante de dois exemplos
diferentes, mas ambos muito bonitos. De um lado João Paulo II, que reteve seu
dever até o último instante, mesmo na doença. De outro lado, Bento XVI. Mas esses
testemunhos demonstram a grande liberdade de consciência dos Papas, em base à
qual cada um julga qual seja naquele momento o bem da Igreja. Faço notar a esse
propósito que a profunda humildade do papa Ratzinger atingiu as pessoas,
fazendo crescer o afeto por ele.
Pode-se dizer que ele foi compreendido
verdadeiramente só no momento da demissão?
De certa maneira, sim. Nos oito anos precedentes,
Bento XVI foi um Papa a descobrir, apreciando as suas belíssimas homilias e
estudando a profundidade dos seus textos. Todavia, o seu caráter tímido e
reservado, além de uma certa hostilidade da mídia, não o revelaram
completamente. As pessoas, afinal, se deram conta do seu grande coração depois
de sua renúncia. Um homem humilde, bom, sem nenhuma dureza.
Qual herança deixa à Igreja?
Uma herança imensa que vai desde a correta
interpretação do Concílio às grandes aberturas como a Carta aos cristãos da
China, sobre a qual precisará retornar. Quanto ao problema dos padres pedófilos,
a sua ação foi de grande firmeza. Além do mais, fez todo o possível para
recompor o cisma com os lefebvrianos e teve uma grande atenção ao ecumenismo e
ao diálogo com os hebreus. Além disso, colocou a tônica sobre a esperança e
sobre a alegria de ser cristão e deu impulso à doutrina social da Igreja.
E, no entanto, foi um Pontificado
assinalado pelo sofrimento espiritual. Às vezes frustrado pela erupção do "mysterium
iniquitatis", como ele mesmo disse. Por quê?
Com a sua lucidez intelectual, papa Ratzinger
colocou a nu os males da sociedade, a partir da secularização, retomando o
convite de João Paulo II à nova evangelização, sobretudo na Europa.
E isso pode ter incomodado a força do pensamento secular?
Penso que sim, porque a Igreja será sempre um
sinal de contradição. E quanto mais ela se afirma, tanto mais se espera uma
reação das forças contrárias. Mas essas dificuldades não foram o motivo da sua
renúncia. Porque com o seu magistério, Bento XVI sempre enfrentou os desafios
do laicismo. Um magistério que hoje reconhecemos vivo e presente também no
ensinamento de Francisco.
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