quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Sede Santos!

 
 Catequese de Bento XVI sobre a santidade cristã
Caros irmãos e irmãs,
Nas audiências gerais destes últimos dois anos, nos acompanharam as figuras de tantos santos e santas: aprendemos a conhecê-los mais de perto e a entendemos que toda a história da Igreja é marcada por estes homens e mulheres que com a fé deles, com a caridade deles, com a vida deles foram faróis para tantas gerações e também para nós.
Os santos manifestam em diversos modos, a presença potente e transformadora do Ressuscitado; eles deixaram que Cristo envolvesse plenamente a vida deles ao ponto de poderem afirmar como São Paulo: “Não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim” (Gal 2,20). Seguir o exemplo deles, recorrer à intercessão deles, entrar em comunhão com eles,  nos une a Cristo, do qual emana toda a graça e toda a vida para o mesmo povo de Deus” (Conc. Ec. Vat. II, Cost. dogm.Lumen gentium 50). Ao final deste ciclo de catequeses gostaria então de oferecer uma meditação sobre o que seja a santidade.
O que quer dizer ser santos? Quem é chamado a ser santo? Por vezes somos levados ainda a pensar que a santidade seja uma meta reservada a poucos eleitos. São Paulo, ao contrário, fala do grande desígnio de Deus e afirma: “Nele – Cristo – Deus nos escolheu antes da criação do mundo para sermos santos e imaculados diante dEle na caridade” (Ef 1,4).
Aqui, ele fala de todos nós. No centro do desígnio divino está Cristo, no qual Deus mostra a sua face: O mistério escondido nos séculos é revelado em plenitude no Verbo feito carne. E Paulo depois diz: “Agrada a Deus de fato, que habite Nele toda a plenitude” (Col 1,19). Em Cristo, Deus vivente se fez próximo, visível, audível, tocável, a fim que todos pudessem atingir a sua plenitude de graça e de verdade (cfr Jo I,14-16).
Por isto, toda a existência cristã conhece uma única lei suprema, aquela que São Paulo exprime em uma fórmula que aparece em todos os seus escritos: em Cristo Jesus. A santidade, a plenitude da vida cristã não consiste no cumprir coisas extraordinárias, mas no unir-se a Cristo, no viver os seus mistérios, no fazer nossas as suas atitudes, os seus pensamentos, os seus comportamentos. A medida da santidade é dada pela estatura que Cristo alcança em nós, com a qual, com a força do Espírito Santo, modelamos toda a nossa vida na dEle.
E o ser conformes a Cristo, como afirma São Paulo: “Aqueles que Ele desde sempre conheceu, os predestinou a ser conformes à imagem do seu Filho” (Rm 8,29). E Santo Agostinho exclama: “Viva e será a minha vida toda repleta de Ti” (Confissões, 10,28).
O Concílio Vaticano II, na Constituição sobre a Igreja, fala com clareza sobre o chamado universal a santidade, afirmando que ninguém está excluído: “Nos vários gêneros da vida e nas várias profissões, uma única santidade é praticada por todos aqueles que foram movidos pelo Espírito de Deus e seguem Cristo pobre, humilde, que carrega a cruz, para merecerem ser participantes da sua glória” (n. 41).
Mas permanece a questão: Como podemos percorrer a estrada da santidade, responder a este chamado? Posso fazê-lo com as minhas forças?
A resposta é clara: uma vida santa não é fruto principalmente do nosso esforço, das nossas ações, porque é Deus, o três vezes Santo que nos faz santos, é a ação do Espírito Santo que nos anima a partir de dentro, é a mesma vida de Cristo Ressuscitado que nos é comunicada e que nos transforma. Para dizer isto mais uma vez com o Concílio Vaticano II: “Os seguidores de Cristo, chamados por Deus não segundo as suas obras, mas segundo o desígnio da sua graça e justificados em Jesus Senhor no batismo da fé, foram feitos verdadeiramente filhos de Deus e co participantes da natureza divina, e por isto, realmente santos. Esses, portanto, devem com a ajuda de Deus, manter isto na vida deles e aperfeiçoar a santidade que receberam” (ibid., 40).
A santidade tem, portanto, a sua raiz ultima na graça batismal, no ser nutrido no Mistério pascal de Cristo, com o qual nos vem comunicado o seu Espírito, a sua vida de Ressuscitado.
São Paulo sublinha em modo forte, a transformação que opera no homem a graça batismal e chega a cunhar uma terminologia nova, formada com a preposição “com”: co-mortos, co-sepultados, co-ressuscitados, co-vivificados com Cristo: o nosso destino está ligado indissoluvelmente ao seu. “Por meio do batismo – escreve – formos sepultados juntos com Ele na morte, a fim que, como Cristo foi ressuscitado dos mortos assim também podemos caminhar em uma vida nova” (Rm 6,4). Mas Deus respeita sempre a nossa liberdade e pede que aceitemos este dom e vivamos as exigências que isto comporta, pede que nos deixemos transformar pela ação do Espírito Santo, conformando a nossa vontade a vontade de Deus.
Como pode acontecer que o nosso modo de pensar e as nossas ações se tornem o pensar e o agir com Cristo e de Cristo? Qual a alma da santidade? De novo o Concílio Vaticano II explica: diz-nos que a santidade cristã não é outra coisa se não a caridade plenamente vivida. “Deus é amor, quem permanece no amor, permanece em Deus e Deus permanece nEle” (I Jo, 4,16).
Agora, Deus difundiu largamente o seu amor nos nossos corações por meio do Espírito santo, que nos foi dado (cfr Rm 5,5); por isto, o primeiro dom e o mais necessário é a caridade, com a qual amamos a Deus sobre todas as coisas e próximo por amor dEle.
Mas, para que a caridade, como uma boa semente, cresça na alma e frutifique cada fiel deve escutar com prazer a palavra de Deus e, com a ajuda da sua graça, cumprir com as obras da sua vontade, participar frequentemente dos sacramentos, sobretudo da Eucaristia e da santa liturgia; aplicar-se constantemente a oração, na abnegação de si mesmo, no serviço ativo aos irmãos e a serviço de todas as virtudes. A caridade, de fato, vínculo da perfeição e cumprimento da Lei (cfr Col 3,14; Rm 13,10), conduz todos os meios de santificação, dá forma a eles e os conduz ao fim deles.  
Talvez também esta linguagem do Concílio Vaticano II para nós é ainda um pouco difícil, talvez devamos dizer as coisas em modo mais simples. O que é essencial? Essencial é nunca deixar um domingo sem um encontro com o Cristo Ressuscitado na Eucaristia; isto não é um peso acrescentado, mas é a luz para a toda a semana. Não começar e não terminar nunca um dia sem um breve contato com Deus. E, na estrada da nossa vida, seguir os “indicadores do caminho” que Deus nos comunicou no Decálogo lido com Cristo, que é simplesmente a explicitação de que coisa seja a caridade em determinadas situações.
Parece-me que esta seja a verdadeira simplicidade e grandeza da vida de santidade: o encontro com o Ressuscitado no domingo; o contato com Deus no início e no fim do dia; e seguir nas decisões os indicadores do caminho que Deus nos comunicou, que são as formas de caridade. Por isto, o verdadeiro discípulo de Cristo se caracteriza pela caridade dirigida a Deus e ao próximo. (Lumen gentium, 42). Esta é a verdadeira simplicidade, grandeza e profundidade da vida cristã, do ser santos.
Eis porque Santo Agostinho, comentando o capitulo quarto da Primeira carta de São João, pode afirmar uma coisa corajosa: "Dilige et fac quod vis", “Ame e faça o que quiser”. E continua: “Se repreenderes, que repreendas por amor, se falares, então fales por amor, se corrigires, corrijas por amor, se perdoares, perdoes por amor; esteja em Ti a raiz do amor, já que desta raiz só pode proceder o bem” (7,8: PL 35).
Quem é guiado pelo amor, quem vive a caridade plenamente é guiado por Deus, porque Deus é amor. Assim vale esta palavra grande: "Dilige et fac quod vis", “Ame e faça aquilo que queres”. Talvez nos perguntemos: podemos nós, com os nossos limites, com a nossa fraqueza, nos projetarmos assim para o alto?
A Igreja, durante o ano litúrgico, nos convida a fazer memória de uma legião de santos, daqueles que viveram plenamente a caridade, souberam amar e seguir Cristo na vida cotidiana. Eles nos dizem que é possível para todos percorrer esta estrada. Em todas as épocas da história da Igreja, em cada latitude da geografia do mundo, os santos pertencem a todos as idades e a todos os estados de vida, são rostos concretos de todos os povos, línguas e nações. E são tipos muito diversos.
Na realidade devo dizer que também para a minha fé pessoal, muitos santos, não todos, são verdadeiras estrelas no firmamento da história. E gostaria de acrescentar que para mim, não somente alguns grandes santos que amo e que conheço bem são estes “indicadores do caminho”, mas também aqueles santos simples, as pessoas boas que vejo na minha vida, que não serão nunca canonizadas. São pessoas normais, por assim dizer, sem heroísmo visível, mas na bondade delas de todos os dias, vejo a verdade da fé.
Esta bondade, que amadureceu na fé da Igreja, é para mim a mais segura apologia do cristianismo e o sinal de onde esteja a verdade. Na comunhão dos Santos, canonizados e não canonizados, que a Igreja vive graças a Cristo em todos os seus membros, nos regozijamos com a presença e a companhia deles e cultivamos a forte esperança de poder imitar o caminho deles e partilhar um dia a mesma vida agraciada, a vida eterna.
Caros amigos, como é grande e bela e também simples a vocação cristã vista nessa luz! Todos somos chamados a santidade: é a medida desta mesma vida cristã. Ainda uma vez São Paulo a exprime com grande intensidade quando escreve: “A cada um de nós foi dada a graça segundo a medida do dom de Cristo. Ele deu a alguns de serem apóstolos, a outros de serem pastores e mestres, para preparar os irmãos a cumprir o ministério, com o objetivo de edificar o corpo de Cristo, a fim que cheguemos todos a unidade da fé e ao conhecimento do Filho de Deus, até o homem perfeito, até atingir a medida da plenitude de Cristo” (Ef 4,7.11-13).
Gostaria de convidar todos a abrir-se a ação do Espírito Santo, que transforma a nossa vida, para ser também nós como fragmentos do grande mosaico de santidade que Deus vai criando na história, a fim que a face de Cristo esplenda na plenitude do seu fulgor.
Não tenhamos medo de nos projetarmos em direção ao alto, em direção as alturas de Deus, não tenhamos medo que Deus nos peça muito, mas nos deixemos guiar em todas as nossas ações cotidianas pela Sua palavra, também se nos sentimos pobres, inadequados pecadores, será Ele a transformar-nos segundo o seu Amor. Obrigado.
13.04.2011 - Cidade do Vaticano

Sede Santo

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sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Assis: Homilia do Papa Francisco

Visita a Assis - Íntegra


Assis: Homilia do Papa Francisco
HOMILIA
Visita Pastoral a Assis
Missa na Praça São Francisco de Assis
Sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Boletim da Santa Sé
Tradução: Jéssica Marçal

“Eu te bendigo, Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondestes estas coisas aos sábios e entendidos e as revelaste aos pequenos” (Mt 11, 25).
Paz e bem a todos! Com esta saudação franciscana agradeço-vos por terem vindo aqui, nesta praça, cheia de história e de fé, para rezarem juntos.
Hoje também eu, como tantos peregrinos, vim aqui para bendizer o Pai por tudo aquilo que quis revelar a cada um destes “pequenos” de que fala o Evangelho: Francisco, filho de um rico comerciante de Assis. O encontro com Jesus o levou a despojar-se de uma vida confortável e despreocupada para casar-se com a “Mãe Pobreza” e viver como verdadeiro filho do Pai que está nos céus. Esta escolha, por parte de São Francisco, representava um modo radical de imitar Cristo, de revestir-se Daquele que, rico que era, fez-se pobre para enriquecer-nos por meio da sua pobreza (cfr Cor 8, 9). Em toda a vida de Francisco, o amor pelos pobres e a imitação de Cristo pobre são dois elementos unidos de modo indissociável, as duas faces de uma mesma moeda.
O que testemunha São Francisco a nós, hoje? O que nos diz, não com as palavras – isto é fácil – mas com a vida?
1. A primeira coisa que nos diz, a realidade fundamental que nos testemunha é esta: ser cristãos é uma relação vital com a Pessoa de Jesus, é revestir-se Dele, é assimilação a Ele.
De onde parte o caminho de Francisco rumo a Cristo? Parte do olhar de Jesus na cruz. Deixar-se olhar por Ele no momento em que doa a vida por nós e nos atrai para Ele. Francisco fez esta experiência de modo particular na pequena Igreja de São Damião, rezando diante do crucifixo, que também eu pude venerar hoje. Naquele crucifixo, Jesus não aparece morto, mas vivo! O sangue escorre das feridas das mãos, dos pés e dos lados, mas aquele sangue exprime vida. Jesus não tem os olhos fechados, mas abertos, grandes: um olhar que fala ao coração. E o crucifixo não nos fala de derrota, de fracasso; paradoxalmente nos fala de uma morte que é vida, que gera vida, porque fala de amor, porque é Amor de Deus encarnado, e o Amor não morre, antes, vence o mal e a morte. Quem se deixa olhar por Jesus crucificado é re-criado, transforma-se uma “nova criatura”. Daqui parte tudo: é a experiência da Graça que transforma, o ser amado sem mérito, mesmo sendo pecadores. Por isto Francisco pode dizer, como São Paulo: “Quanto a mim, não pretendo, jamais, gloriar-me, a não ser na cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo” (Gal 6,14).
Nós nos dirigimos a ti, Francisco, e te pedimos: ensina-nos a permanecer diante do Crucifixo, a deixar-nos guiar por Ele, a deixar-nos perdoar, recriar pelo seu amor.
2. No Evangelho, escutamos estas palavras: “Vinde a mim, vós todos que estais aflitos sob o fardo, e eu vos aliviarei. Tomai meu jugo sobre vós e recebei minha doutrina, porque eu sou manso e humilde de coração” (Mt 11, 28-29).
Esta é a segunda coisa que Francisco nos testemunha: quem segue Jesus, recebe a verdadeira paz, aquela que só Ele, e não o mundo, pode nos dar. São Francisco é associado por muitos à paz, e é justo, mas poucos seguem em profundidade. Qual é a paz que Francisco acolheu e viveu e nos transmite? Aquela de Cristo, passada através do amor maior, aquela da Cruz. É a paz que Jesus Ressuscitado deu aos discípulos quando apareceu em meio a eles (cfr Jo 20, 19.20).
A paz franciscana não é um sentimento “piegas”. Por favor: este São Francisco não existe! E nem é uma espécie de harmonia panteísta com as energias do cosmo… Também isto não é franciscano! Também isto não é franciscano, mas é uma ideia que alguns construíram! A paz de São Francisco é aquela de Cristo, e a encontra quem “toma sobre si o seu jugo”, isso é, o seu mandamento: Amai-vos uns aos outros como eu vos amei (cfr Gv 13,34; 15,12).  E este jugo não se pode levar com arrogância, com presunção, com soberba, mas somente se pode levar com mansidão e humildade de coração.
Dirigimo-nos a ti, Francisco, e te pedimos: ensina-nos a sermos “instrumentos da paz”, da paz que tem a sua origem em Deus, a paz que nos trouxe o Senhor Jesus.
3. Francisco inicia o Cântico assim: “Altíssimo, onipotente, bom Senhor… Louvado sejas, com todas as criaturas” (FF, 1820). O amor por toda a criação, pela sua harmonia! O Santo de Assis testemunha o respeito por tudo aquilo que Deus criou e como Ele o criou, sem experimentar sobre a criação para destruí-la; ajudá-la a crescer, a ser mais bela e mais similar àquilo que Deus criou. E, sobretudo, São Francisco testemunha o respeito por tudo, testemunha que o homem é chamado a proteger o homem, que o homem esteja no centro da criação, no lugar onde Deus – o Criador – o quis. Não instrumento dos ídolos que nós criamos! A harmonia e a paz! Francisco foi homem de harmonia, homem de paz. Desta Cidade da Paz, repito com a força e a mansidão do amor: respeitemos a criação, não sejamos instrumentos de destruição! Respeitemos cada ser humano: cessem os conflitos armados que ensanguentam a terra, silenciem-se as armas e então o ódio dê lugar ao amor, a ofensa ao perdão e a discórdia à união. Ouçamos o grito daqueles que choram, sofrem e morrem por causa da violência, do terrorismo ou da guerra, na Terra Santa, tão amada por São Francisco, na Síria, no Oriente Médio, em todo o mundo.
Dirigimo-nos a ti, Francisco, e te pedimos: alcançai-nos de Deus o dom que neste nosso mundo nos seja harmonia, paz e respeito pela Criação!
Não posso esquecer, enfim, que hoje a Itália celebra São Francisco como seu Patrono. Eu dou as felicitações a todos os italianos, na pessoa do Chefe do governo, aqui presente. Exprime-o também o tradicional gesto da oferta do óleo para a lâmpada votiva, que este ano é da Região da Umbria. Rezemos pela nação italiana, para que cada um trabalhe sempre pelo bem comum, olhando para aquilo que une mais do que para aquilo que divide.
Faço minha a oração de São Francisco por Assis, pela Itália, pelo mundo: “Peço-te então, ó Senhor Jesus Cristo, pai das misericórdias, de não querer olhar à nossa ingratidão, mas de recordar-te sempre da superabundante piedade que [nesta cidade] mostraste, a fim de que seja sempre o lugar e a casa daqueles que verdadeiramente te conhecem e glorificam o teu nome bendito e gloriosíssimo nos séculos dos séculos. Amém” (Espelho de perfeição, 124: FF, 1824).

Irmão Sol, Irmã Lua - Completo dublado